Os bichos se divertem

Tico-Nico saiu de sua casa e correu o mais rápido que pôde até a esquina, pulando e fazendo muitas piruetas no ar. Viu um amigo do outro lado da rua, se escondeu atrás de um poste e, quando ele passou, Tico-Nico se jogou em cima dele, pregando o maior susto! Eles ainda rolaram no chão e até simularam uma briga, tudo de brincadeira. Enquanto isso, ali por perto, Grampola e Xuí disputavam bravamente uma bola. Puxa daqui, corre dali… Quem conseguia pegá-la mal tinha tempo de aproveitar, logo jogava a bola longe e recomeçava a correria. Quando os dois avistaram Tico-Nico distraído, não pensaram duas vezes: deixaram a bola de lado por um instante e foram em sua direção para lhe dar uma mordida no rabo… Epa! Mordida? No rabo?

Ilustração Irena Freitas

Sim! Embora a narração nos leve a pensar que se trata de uma farra entre crianças, os termos “mordida” e “rabo” deixam claro que a cena se passa com bichos. Isso mesmo! Assim como nós, os animais também brincam!

“Não há nada melhor do que brincar”, diria o cachorro preto que vive na praia do Pereirinha, na Ilha de Cardoso, no litoral paulista, se ele soubesse falar. Ele ficou amigo dos golfinhos que, de vez em quando, apareciam nas redondezas para caçar alguns peixes. Bastava o grupo de golfinhos surgir que o cachorro latia, acompanhava-os pela areia, se jogava no mar e nadava até os seus amigos. Os golfinhos não ficavam com medo e até faziam malabarismos em torno do cachorro, passando por baixo dele e mesmo levantando-o. Uma festa!

Os pesquisadores que estudam a etologia – a ciência do comportamento animal – afirmam que isso nada mais é do que diversão pura e simples. De acordo com eles, algumas espécies – além de realizar suas atividades normais de sobrevivência, como caça, defesa e reprodução – gastam tempo e energia com atividades aparentemente inúteis, mas que são muito prazerosas e, até mesmo, educativas.

Embora nem sempre seja fácil separar o que é brincadeira do que é uma atividade de sobrevivência do animal, muitos exemplos levam a crer que os bichos também brincam. E mais: que as brincadeiras deles são muito parecidas com as que fazemos entre humanos.

Há três tipos de brincadeiras que são bastante comuns entre os animais: as motoras, a manipulação de objetos e a social. As brincadeiras motoras são aquelas em que há grande gasto de energia em movimentos. O bicho corre, pula, dá cambalhotas… Nada muito diferente da maioria das crianças.

Os animais também se sentem estimulados por certos objetos e brincam com eles. Os chimpanzés, por exemplo, podem se divertir chutando latas de lixo que fazem um barulhão! Já os corvos, pássaros muito inteligentes, aproveitam qualquer coisa, mesmo um pedacinho de um objeto qualquer, como brinquedo.

As brincadeiras sociais são bastante comuns e envolvem vários indivíduos em pega-pegas, esconde-escondes e brigas. Muitos filhotes de hamster, rato, cachorro, tigre e macaco, por exemplo, se esbaldam brincando de brigar. Eles se provocam, pulam um no outro, rolam no chão, mordem-se, mas tudo de mentirinha! Agora, como será que os bichos sabem que tudo não passa de uma brincadeira?

O pega-pega entre os cachorros é um tipo de brincadeira social.
Foto Ayelt van Veen/Unsplash
Brincar de brigar é algo comum entre os felinos.
Foto Adrian Jack Bunsby/Wikimedia Commons

Entre as espécies, existem certos códigos que indicam a disposição para a farra! Procure reparar: os cães costumam abaixar a parte dianteira do corpo, esticando as patas para frente e levantando a parte traseira para “dizer” que estão a fim de uma bagunça. Já as raposas pulam para cima, com as quatro patas esticadas, enquanto os chimpanzés abrem bem a boca, sem mostrar os dentes, e respiram com força, como se estivessem rindo, para demonstrar interesse na brincadeira. Essa comunicação é muito importante, principalmente quando as brincadeiras envolvem brigas de mentira.

De fora!

Não são todas as espécies que brincam. Você já deve ter reparado que alguns animais parecem ser bem mais sérios e ocupados do que outros. As formigas e as abelhas, por exemplo, são tão trabalhadoras, tão atarefadas, que parece não sobrar tempo nem disposição para relaxar e se divertir. Será? Na verdade, os pesquisadores ainda não conseguiram entender por que alguns bichos demonstram gostar de brincar e outros não. O que se constatou, até agora, é que entre os pássaros e os mamíferos estão as espécies mais brincalhonas.

Há indicações de que, para algumas espécies e em determinadas situações, as brincadeiras podem ser inconvenientes e mesmo perigosas. Os guepardos, felinos muito velozes, muitas vezes ficam sem jantar porque alguns filhotes, em suas brincadeiras, chamam a atenção da presa, fazendo-a escapar. Já os filhotes de macaco muriqui, que habitam árvores muito altas da Mata Atlântica brasileira, se arriscam a levar grandes tombos porque brincam de fazer estripulias no topo das árvores.

Os golfinhos parecem se divertir o tempo todo.
Foto Michal Mrozek/Unsplash
O macaco muriqui brinca de fazer estripulias no alto das árvores.
Foto Mônica Imbuzeiro/Wikimedia Commons

Falando sério

Brincar é quase sempre hábito de indivíduos jovens. Entre as espécies que brincam, os filhotes passam um longo período recebendo os cuidados e a proteção dos pais ou de outro adulto. Desta forma, eles ficam livres das obrigações e das pressões de adaptação, para se dedicar a atividades sem nenhum valor imediato, que mais tarde serão muito importantes. 

Brincando, correndo, pulando, ‘brigando’, disputando objetos e mesmo imitando o comportamento dos mais velhos, esses jovens animais estão adquirindo habilidade e capacidade para executar, cada vez melhor, tarefas importantes, como caçar, fugir dos predadores, conquistar parceiros para se reproduzir, cuidar dos filhotes que mais tarde eles terão etc.

A brincadeira, além de proporcionar alegria e bem-estar imediatos, prepara os filhotes para a vida! E isso não se restringe somente aos bichos. Nós, seres humanos, também temos muito a aprender com o ato de brincar, durante a vida inteira.

César Ades
Departamento de Psicologia Experimental
Universidade de São Paulo
(publicado originalmente na CHC 100)

Matéria publicada em 04.07.2023

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